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Não se substitui um presidente da República a toda hora, diz Gilmar Mendes

Felipe Amorim, Gustavo Maia e Paula Almeida

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

09/06/2017 21h25Atualizada em 09/06/2017 23h42

Responsável pelo voto definitivo que absolveu a chapa Dilma-Temer por 4 a 3 em julgamento finalizado nesta sexta-feira (09) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o presidente da Corte, Gilmar Mendes, fez uma explanação exaltada no plenário. Conhecido pelo estilo pouco polido, o ministro, que também integra o STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a Justiça Eleitoral deve prezar pela estabilidade política do país.

Isto não é uma ação de reintegração de posse. Não é uma ação de responsabilidade civil. Estamos tratando de uma ação especial, especialíssima, quando se trata de presidente da república, que é chefe de Estado e chefe de governo”

Gilmar Mendes, presidente do TSE

“A cassação de mandato deve ocorrer em situações inequívocas”, afirmou o ministro.

Ao longo das últimas semanas, Gilmar Mendes já havia afirmado que o tribunal eleitoral não era lugar para resolver crises políticas. E reiterou o tema nesta sexta. "Eu disse a políticos que vieram aqui, de forma muito clara, 'não tentem usar mão do tribunal para resolver crise política, porque o tribunal não é instrumento. Resolvam os seus problemas'", afirmou.

No início de seu voto, Mendes destacou que o caso é “singular” e recapitulou. “[O processo] tem muitas peculiaridades. Esta ação foi proposta a 15 dias da diplomação. A presidente tomou posse e sofreu impeachment, depois de um longo e tormentoso processo. Depois veio a assunção ao cargo do vice-presidente. E a ação prosseguiu, portanto, contra o vice-presidente”, declarou.

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O presidente do TSE também destacou que a Constituição Federal fixa prazo de 15 dias para a apresentação de ações eleitorais de cassação, justamente para garantir essa estabilidade.

"Não é por acaso que a Constituição estabelece exigências, porque do contrário banalizaria o mandato. É muito fácil dizer que esta ação é como qualquer outra. Não, não é como qualquer outra", disse ele.

Não é algum fricote processualístico que se quer proteger. Não, é a questão do equilíbrio do mandato. Não se substitui um presidente da República a toda hora, ainda que se queira"

Em seu voto, Gilmar Mendes rebateu colegas ministros que defenderam a cassação.

“É muito fácil fazer o discurso da moralidade. Ninguém venha me dar lição aqui, de combate à corrupção. Também eu quero isto”, disse o ministro. Em seus votos, o relator Herman Benjamin e os ministros Luiz Fux e Rosa Weber citaram respeito à própria consciência e a vontade de fazer Justiça.

Em outro ponto, Mendes voltou a fazer referência indireta a Fux, que no primeiro dia de julgamento apoiou o relator Herman Benjamin e afirmou que os ministros não deveriam ser “avestruzes” e ignorar as provas trazidas à tona nos depoimentos dos executivos da Odebrecht.

"E vamos interpretar a Constituição dentro da realidade institucional. Claro que não devemos nos colocar como avestruzes. Claro que não devemos esquecer a realidade. Mas nós temos que interpretar a Constituição à luz da realidade institucional. Um mandato outorgado pelo povo é de que se cuida", afirmou Mendes, que reconheceu o tom elevado de sua fala.

"Talvez eu falte com delicadeza, ministro Fux, mas não com a sinceridade. Ás vezes chego a ser rude para não ser insincero".

Não foram apenas os colegas de TSE que foram alvos das declarações fortes do presidente. Ao citar os caminhos que a República poderia tomar no caso de uma cassação de Temer, criticou o Ministério Público, que tem acelerado inquéritos contra políticos com base nas delações da Odebrecht, da OAS e da JBS.

“É muito fácil dizer ‘cassa-se o mandato’. Haverá assunção pelo presidente da Câmara [Rodrigo Maia (DEM-RJ)]. Certamente no momento seguinte a Procuradoria vai entrar com uma denúncia contra ele para que fique impedido, nesse clima de corrida maluca que se instaurou no país. E também outra já contra o presidente do Senado [Eunício Oliveira (PMDB-CE)]. E aí? Aí se faz eleição indireta em 30 dias. É isso que se quer?”, esbravejou.

A quem insinuou que ele, amigo de Michel Temer há décadas, e outros ministros indicados pelo presidente ao TSE – Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira Carvalho – votariam com motivação política, Gilmar Mendes também disparou críticas. E fez forte defesa do direito.

“Essa lógica de amigo e inimigo outros praticam, não eu. Usar o direito para finalidades espúrias, ficar adequando decisões ao momento e aos interesses eventuais não é coisa que se deve fazer. Direito não serve para isso. Essa é a história do direito achado na rua, não é o que devemos fazer; direito é segurança”, exclamou.

Nos últimos minutos do julgamento, Mendes fez uma explanação acerca do papel do Poder Judiciário, isentando-o de resolver todos os problemas do país. "Decisões judiciais são, via de regra, de natureza binária. Imaginar que um 'sim' ou 'não' emitido pelo TSE seria capaz de responder aos nossos graves problemas seriam ou delírio de grandeza ou total irresponsabilidade. Não há respostas simples para problemas complexos. A crise política pela qual passamos demanda soluções complexas, que certamente essa corte não pode dar, talvez até infelizmente", declarou.

"Alertei muitas vezes para os perigos de nos transformarmos em um Estado policial, o que só pode acontecer com a conivência ou a omissão do Poder Judiciário. Os excessos do Judiciário e do Ministério Público, no entanto, também podem se transformar em grave perigo para o Estado democrático de direito. O Estado judicial pode ser um mero eufemismo do Estado policial. O Judiciário não tem e não deve ter a solução para todos os problemas", completou.