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Leonardo Sakamoto

Temer diz que país quer Reforma da Previdência. Na verdade, quer sua saída

Leonardo Sakamoto

22/06/2017 18h14

Foto: Andre Coelho / Agência O Globo

Michel Temer disse a uma plateia de empresários (o tipo de audiência que ele mais ama) em Oslo, capital da Noruega, que "o Brasil está deixando para trás uma severa crise de sua história".

Se ele, em um gesto magnânimo, estiver fazendo uma autocrítica e se colocando como um dos responsáveis pelas crises política e institucional (que se abateu pelo país após um impeachment às pressas para salvar o pescoço de políticos contra a guilhotina da Lava Jato e viabilizar a aprovação de reformas propostas pela elite econômica), concordo plenamente.

Eu e 79% dos brasileiros.

Pesquisa do DataPoder 360, divulgada nesta quarta (21), aponta que 79% da população quer a renúncia ou cassação de Temer, ao passo que 12% acha que ele deve continuar no cargo. Caso ele saia, a pesquisa mostra que 87% das pessoas é favorável à eleição direta pela população de um substituto para conduzir o país até 31 de dezembro de 2018 e 4% defende uma eleição indireta, por escola de deputados federais e senadores. A margem de erro é de três pontos para mais ou para menos.

O problema é que, para entregar as reformas prometidas aos grandes empresários e ao mercado financeiro e, consequentemente, seguir contando com o apoio deles para ficar no cargo, Temer – talvez por autopreservação, cinismo ou pura galhofa – passou a viver em negação e pregar uma realidade paralela.

No discurso em Oslo, também falou sobre a Reforma da Previdência: "Vamos aprovar porque é nítida uma compreensão não só do Parlamento brasileiro, mas do povo brasileiro, portanto de toda a sociedade, de que devemos enfrentar uma nova dinâmica demográfica".

Nítida compreensão?

De acordo com pesquisa Datafolha divulgada no Primeiro de Maio, 71% da população brasileira é contra a Reforma da Previdência. Pesquisa Vox Populi havia apontado que 93% rejeita o aumento da idade de aposentadoria para 65 anos e do tempo mínimo de contribuição para 25 anos.

Na verdade, é nítida a compreensão do brasileiro a respeito do governo Temer. A mesma pesquisa do DataPoder360 mostra que apenas 2% da população considera seu governo positivo, contra 75% de negativo e 18% de regular.

Ele só não cai porque as elites política e econômica não se entendem sobre quem seria colocado no lugar, uma vez que têm aversão à possibilidade de eleições diretas.

As pessoas não são irresponsáveis. Sabem que reformas precisam ser feitas, mas discordam da maneira como as propostas estão sendo discutidas, ou do prazo de transição de modelo, ou da intensidade da mudança, ou das categorias privilegiadas e imunes, ou da diferença do sacrifício de pobres e ricos para manter o sistema funcionando.

Parte da classe média e dos mais pobres percebeu que a fatura da crise vai cair, prioritariamente, em seu colo. E nada dos mais ricos pagarem mais imposto de renda ou verem taxados os dividendos de suas empresas.

O país pode estar dividido em uma polarização burra que desumaniza quem pensa diferente. Mas, pelos números, parece que surgiu mais um ponto de consenso capaz de unir mortadelas a coxinhas, além da rejeição à Reforma da Previdência: a tragédia que é o atual governo.

O rei está nu. Mas ele sabe bem disso. E deve rir muito. De nós.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.