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Em nenhum país do mundo Temer teria permanecido no cargo, diz Joaquim Barbosa

Betina Humeres/Agência RBS/Estadão Conteúdo
Imagem: Betina Humeres/Agência RBS/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo

01/09/2017 13h07Atualizada em 01/09/2017 17h17

O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa afirmou que o país foi "sequestrado por um bando de políticos inescrupulosos" e que em “nenhum país do mundo” Temer teria permanecido no cargo após ter sido acusado de praticar crimes graves.

“Nosso país foi sequestrado por um bando de políticos inescrupulosos que reduziram nossas instituições a frangalhos. Em nenhum país do mundo um chefe de governo permaneceria um dia sequer no cargo depois de acusações tão graves quanto aquelas que foram feitas contra Temer. O Brasil entrou numa fase de instabilidade crônica, da qual talvez só saia em 2018 [com as eleições]”, afirmou em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, publicada nesta sexta-feira (1º).

As declarações foram dadas no momento de expectativa quanto a uma possível nova denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Temer. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, havia denunciado Temer por corrupção passiva, mas a Câmara dos Deputados rejeitou no começo de agosto que uma investigação fosse aberta contra ele durante o exercício do cargo. Foi a primeira vez que um presidente brasileiro em pleno exercício do poder foi acusado formalmente.

Michel Temer deveria ter tido a honradez de deixar a Presidência"

Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF

Na entrevista, Joaquim Barbosa voltou a criticar o impeachment que, há um ano, tirou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do poder. Segundo ele, o processo foi "controverso e patético".

"Eles instauraram no Brasil a ordem jurídica deles, e não a das nossas instituições. O Brasil teve um processo de impeachment controverso e patético e o mundo inteiro assistiu. A sequência daquele impeachment é o que estamos vendo hoje. Não há parâmetro de comparação entre a gravidade dos fatos. Michel Temer deveria ter tido a honradez de deixar a Presidência", criticou.

Joaquim Barbosa disse ainda que essa “balbúrdia institucional que se instalou no Brasil” manchou a imagem do país internacionalmente e é a razão de o país ter sido ignorado por líderes que recentemente passaram pela América do Sul, como os primeiros-ministros alemão, canadense e israelense, Angela Merkel, Justin Trudeau e Benjamin Netanyahu, respectivamente.

"O Brasil passa por um retrocesso institucional que se reflete em sua imagem externa. É um país incontornável, mas que está impedido de exercer seu papel internacional por força da conjuntura triste pela qual passamos", disse

O ex-ministro disse acreditar que os brasileiros já não saem às ruas para protestar porque “estão cansados” da instabilidade e das manipulações “indecentes” dos políticos. Porém, a principal razão é que eles estão muito ocupados tentando “sobreviver”.

O Brasil passa por um retrocesso institucional”

Joaquim Barbosa

Joaquim Barbosa declarou ser a favor das reformas propostas pelo governo Temer, mas disse ser “muito grave que estejam sendo conduzidas por um governo que não foi respaldado pelo voto". "São reformas importantes, talvez não com essa visão ultraliberal que se quer implantar, que mexem no cerne do pacto social”, disse.

Quarto colocado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência nas eleições do ano que vem e até hoje considerado símbolo do combate a corrupção no Brasil --pela sua atuação como relator do julgamento do mensalão--, Joaquim Barbosa negou mais uma vez que será candidato à Presidência da República no ano que vem, apesar da sua aproximação com a Rede, de Marina Silva.

Na entrevista, ele falou de eleições, disse que Lula não deveria se candidatar porque isso “vai rachar ainda mais o país”. Segundo ele, “a turma de Curitiba” está motivada a adiantar processos para que ele não possa se candidatar. “Já está em idade de usufruir da vida e do dinheiro que ganhou com suas palestras. Só que o estão empurrando para ser candidato, com essa cruzada que o coloca contra a parede. É um ódio irracional esse que apareceu no país", disse.

Sobre reforma política, manifestou-se favorável ao voto distrital, seja ele puro ou misto, e se mostrou contrário às propostas de parlamentarismo, dizendo que a ideia é de “gente sem escrúpulos”.

Essa gente é tão sem escrúpulo que vai tentar impor o parlamentarismo para angariar a perpetuação no poder e se proteger das investigações. Esse é o plano"

Joaquim Barbosa

Dentre os que já defenderam a implantação do parlamentarismo no Brasil estão o presidente Michel Temer e as lideranças do PSDB. O presidente interino do partido, Tasso Jereissati (CE), afirmou que a adoção do voto distrital seria uma transição para o parlamentarismo, defendendo que ele fosse adotado em 2022. Michel Temer chegou a defender essa forma de governo, mais tarde afirmando que o ideal seria o semi-presidencialismo.

"O Brasil já fez, nos últimos 50 anos, dois plebiscitos. Em ambos, a votação contrária foi avassaladora. Em 1993, o parlamentarismo não obteve, se não estou enganado, mais de 25% dos votos [foram 30,8%]. É uma ideia absolutamente exótica à organização institucional brasileira. O país vive há quase 130 anos sob um regime presidencialista. Seria uma irresponsabilidade absurda testar um experimento exótico desse, como se fosse um brinquedinho, um ioiô", afirmou.

Para ele, as vocações políticas no Brasil são motivadas pela corrupção, criticando as tentativas de restituir o financiamento privado de campanhas, cuja proibição foi uma das marcas de Barbosa à frente do STF.

Joaquim Barbosa foi ministro do STF de 2003 a 2014. Ocupou a presidência da Corte suprema brasileira entre 2012 e 2014. Faltando meses para terminar o mandato na presidência, anunciou sua aposentadoria, aos 59 anos. Ministros do STF podem ficar no cargo até os 75 anos.